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Mudanças trazem novos desafios

Fonte: Jornal do Comércio
A Contabilidade brasileira passa por um momento de profundas transformações. Em dezembro de 2007, foi aprovada a Lei 11.638, que estende às sociedades de grande porte disposições relativas à elaboração e divulgação de demonstrações financeiras. Em agosto deste ano, o governo federal publicou a portaria 184, alterando dispositivos referentes à Contabilidade Aplicada ao Setor Público. A medida faz parte do governo federal para ajustar as normas contábeis aos padrões internacionais. Agora, tanto os profissionais que atuam no meio privado quanto os da área pública enfrentam o desafio de assimilar as mudanças e colocá-las em prática. Conforme o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o objetivo é dar maior transparência às contas públicas. Conceitos como superávit e déficit primários, nominal e operacional, adotados apenas no Brasil, deixarão de existir. No seu lugar, serão utilizados os termos contas positivas ou negativas. O novo sistema será dividido em dez temas: conceituação e objetivos; patrimônio e sistemas contábeis; planejamento e seus instrumentos; transações governamentais; registros contábeis; demonstrações contábeis; consolidação das demonstrações contábeis; controle interno; reavaliação e depreciação dos bens públicos; e avaliação e mensuração de ativos e passivos em entidades do setor público. Enquanto as IFRS (da sigla em inglês International Financial Reporting Standard) deverão estar prontas em 2010, possibilitando a harmonização no meio empresarial, no caso das Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (NBCASP) o prazo final de adaptação é 2012. Elas passarão por um processo de adequação às IPSAS (International Public Sector Accounting Standards), o equivalente às IFRS. Essa alteração abrangerá os três níveis governamentais. União, estados e municípios passarão a ter, de forma uniformizada, sua contabilidade. De acordo com o ouvidor do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRC-RS) e chefe do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Ufrgs João Marcos Leão da Rocha, assim como a aprovação da Lei 11.638 e posterior sanção presidencial agitou o meio contábil, as novas propostas para a Contabilidade Pública também terão um grande impacto. A convergência permitirá melhor avaliação do patrimônio total da União. Com as novas regras, será possível que o petróleo do pré-sal, por exemplo, entre no cálculo do patrimônio público enquanto as reservas ainda estiverem no subsolo. Outra mudança em estudo é que o novo sistema poderá retirar do superávit primário os investimentos das estatais que não dependem do orçamento do Tesouro, como a Petrobras. Atualmente, a maior parte dos países exclui do cálculo do patrimônio do governo as estatais que não dependem do orçamento da União. Demonstrações contábeis passam por grande transformação Entre as mudanças previstas para a Contabilidade Aplicada ao Setor Público, estão as demonstrações contábeis. Elas serão atualizadas de acordo com o padrão internacional, tornando-se praticamente idênticas ao modelo usado nas demonstrações contábeis societárias. Para isso, deverá ser elaborada uma série de manuais relacionados com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), dentre os quais o Manual Técnico de Demonstrativos Fiscais, Manual de Relatório Resumido de Execução Orçamentária, Manual de Plano de Contas Nacional e outros. Conforme João Marcos Leão da Rocha, ouvidor do CRC-RS, será dada uma ênfase maior à contabilidade patrimonial. A inserção do orçamento na Contabilidade Pública terá um tratamento diferente do que é feito hoje, com alteração completa do sistema de apuração dos órgãos públicos. "Surgem obrigações que não são evidenciadas hoje, como gastos com pessoal, férias e sentenças judiciais. A novidade atende a alguns pontos da LRF." Além disso, haverá obediência plena e total aos princípios fundamentais da competência e da oportunidade. Pelo modelo em vigor, a receita é feita pelo regime de caixa e a despesa, pelo regime de competência. Com a implantação da convergência, será tudo feito pelo regime de competência. O regime de caixa ficará apenas para a evidenciação da parte orçamentária e não mais da contábil. Já o regime orçamentário permanecerá inalterado. Convergência deve observar características nacionais O processo de padronização das normas contábeis aplicadas ao setor público deve levar em consideração características nacionais. "A idéia é fazer uma harmonização, e não simplesmente adotar as regras existentes lá fora", diz João Marcos Leão da Rocha. O exemplo da Costa Rica, onde foi feita a tradução e implementação das normas daesprezando questões locais, mostra que é preciso analisar aspectos próprios de cada nação, sejam eles de caráter econômico ou culturais. Segundo o contador da prefeitura de Porto Alegre Silvio Zago, o país da América Central já implementou 21 pronunciamentos, provisionando todos os gastos e aproximadamente 60% dos ingressos tributários. Além da Costa Rica, que iniciou sua convergência em 1998, outras nações adotaram a padronização também nas contas públicas. É o caso da Austrália e Nova Zelândia, em etapas avançadas de adoção nos moldes do IFRS. Já a Inglaterra pretende usar as IPSAS como segundo modelo. A contabilidade nacional passará a se adequar às recomendações do International Accounting Standards Board (Iasb), entidade independente do setor privado criada em 1973 para estudar, emitir e preparar normas de padrões internacionais de contabilidade. Sediado na Inglaterra, o Iasb é formado por 140 entidades profissionais mundiais, entre elas o Brasil, e é vinculado ao Comitê de Normas Internacionais de Contabilidade. Sistema tornará registros do setor mais claros do que os atuais Entre as novidades previstas para a Contabilidade Aplicada ao Setor Público, está o surgimento do demonstrativo do fluxo de caixa e da demonstração do resultado econômico. Esses itens darão condições de saber quanto se arrecada e quanto se gasta de modo consolidado no Brasil. No sistema atual, União, estados e municípios possuem as demonstrações contábeis à sua maneira, com sistemas de administração de gerenciamento financeiro próprios, o que dificulta ter dados consolidados de arrecadação e gastos. "Com a padronização, teremos uma visão mais clara desses números", diz o ouvidor do CRC-RS João Marcos Leão da Rocha. A obrigatoriedade de apresentação de dados trará mais transparência ao setor. Segundo o contador da prefeitura de Porto Alegre e professor das faculdades São Judas Tadeu e Fapa Silvio Zago, hoje a preocupação é meramente fiscal e não de gestão, não funcionando como uma resposta à sociedade. A nova apresentação dos dados permitirá saber quanto custa atender a um paciente em hospital público ou quanto é gasto com um estudante na rede pública. Outra vantagem da padronização contábil do setor público com os sistemas utilizados em outros países é a facilitação de convênios e empréstimos obtidos de entidades internacionais. Os órgãos internacionais muitas vezes têm dificuldades de interpretar os demonstrativos na prestação de contas. CFC trabalha na elaboração de normas Não é de hoje que o Conselho Federal de Contabilidade busca a padronização das normas direcionadas ao setor público. Em março de 2004, o CFC editou a Portaria CFC nº 37/2004, que instituiu o Grupo de Estudos voltado para a área pública. A finalidade era estudar e propor Normas de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público, as chamadas NBCASP, de acordo com as Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (NICSP), editadas pela International Federation of Accountants (Ifac). Integram o grupo profissionais de contabilidade vinculados à área pública, em especial, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e a Secretaria-Executiva do Ministério da Fazenda. O objetivo é fazer com que o setor seja dotado de normas que possam fornecer a orientação contábil dentro dos princípios fundamentais de Contabilidade e, ao mesmo tempo, avance na consolidação e integração com as Normas Internacionais. O ouvidor do CRC João Marcos Leão da Rocha considera positiva a atuação do CFC em parceria com a Secretaria do Tesouro Nacional e organismos internacionais de financiamento como o BID e o Bird na elaboração das regras.
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