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Por que algumas pessoas procrastinam mais que outras?

Qual a diferença de qualidade de vida entre a de um procrastinador e a de um não-procrastinador?

Um dos efeitos inevitáveis a ser enfrentado na nova rotina de home office em meio à pandemia do covid-19 é a procrastinação, aquele comportamento clássico que adotamos quando temos uma tarefa árdua (normalmente pouco prazerosa e interessante) para executar e, em vez de resolver logo a questão, vamos empurrando até que não seja mais possível adiar. Mas por que nós procrastinamos? E por que o problema parece ser bem maior para algumas pessoas? A especialista Thaís Gameiro, neurocientista e sócia da Nêmesis, empresa que oferece assessoria e educação corporativa na área de Neurociência Organizacional, esclarece algumas dúvidas:

Por que procrastinamos?

Grande parte de nossas atitudes e comportamentos é fortemente influenciada por aspectos inconscientes. Temos a falsa sensação de que estamos 100% no controle, mas o que os estudos mostram é que diversos fatores externos e internos influenciam de forma inconsciente nossa tomada de decisão. A procrastinação é resultado de uma desconexão entre aquilo que pretendemos realizar (nossas intenções) e aquilo que efetivamente realizamos.

Um dos elementos chave que nos leva a procrastinar é a falta de interesse ou motivação para realizar uma determinada tarefa, principalmente se o prazo para executar tal atividade não é muito preciso ou é longo o suficiente para deixarmos para depois. A falta de motivação acaba sendo um dos fatores inconscientes que influenciam na decisão de ir "empurrando" a tarefa até a véspera.

Em geral, procrastinamos porque nosso cérebro tem dificuldade de avaliar as consequências de longo prazo e é mais sensível aos ganhos ou desfechos que ocorrem de forma imediata. Nossas metas e objetivos (pessoais ou profissionais) normalmente envolvem conquistas ou desfechos que ocorrerão no futuro, ou seja, na maioria das vezes precisamos adotar comportamentos ou fazer esforços no presente para conquistar resultados que só poderão ser vistos ou mensurados no longo prazo.

Esse costuma ser o principal fator de dificuldade, uma vez que nossa capacidade de enxergar os benefícios de longo prazo é mais limitada. Somos mais sensíveis a recompensas e respostas imediatas, mais tangíveis e fáceis de serem percebidas pelo cérebro como algo concreto. Quando precisamos enxergar benefícios que só ocorrem no futuro, ficamos vulneráveis a perder o foco do objetivo principal por conta de distrações que oferecem recompensas imediatas, mas que muitas vezes nos afastam da meta desejada. Esse fenômeno é conhecido como viés do presente. Um exemplo clássico é a dieta. Queremos emagrecer para ter mais saúde e também para ter um corpo mais bonito, sabemos o que é preciso fazer em termos de alimentação, mas o benefício de comer mais legumes, frutas e verduras só aparece após alguns meses de esforço e determinação. Nesse meio tempo, é comum escolhermos um chocolate, sorvete ou pizza, que sem dúvida oferecem benefícios imediatos, mas nos desviam do nosso objetivo final.

Por que algumas pessoas procrastinam mais que outras?

Estudos recentes sugerem haver diferenças importantes no funcionamento de uma região do cérebro chamada Amígdala, fundamental no processamento das emoções.

Essa região mostrou-se maior naqueles participantes considerados procrastinadores. Nesses mesmos indivíduos também foi observada uma menor conexão entre a Amígdala e a parte dorsal do córtex cingulado anterior (dACC -região responsável pela seleção e execução dos comportamentos adequados ao contexto). Tanto a Amígdala quanto o dACC são regiões que estão associadas à nossa capacidade de autocontrole, de maneira que conexões mais fracas entre essas regiões podem diminuir nossa habilidade de filtrar emoções e estímulos distratores (internos ou externos), resultando em uma baixa eficiência na regulação do nosso comportamento. Em resumo, essas alterações no funcionamento cerebral tornariam os procrastinadores mais sensíveis às "tentações" que dificultam a manutenção do foco em determinada tarefa, especialmente se tal atividade não gera um prazer ou recompensa imediata.

É importante ressaltar que nosso cérebro tem uma grande capacidade de se modificar, criar novas conexões, o que chamamos de neuroplasticidade, sendo possível aprender novos comportamentos e hábitos, de maneira que mesmo aqueles indivíduos mais procrastinadores podem desenvolver novas habilidades que favoreçam sua produtividade.

O que pode ser feito para superar a procrastinação?

A primeira coisa é identificar os gatilhos que te levam a procrastinar e, se possível, eliminá-los. Por exemplo, se a natureza da tarefa é um gatilho, ou seja, sempre que precisa realizar coisas que você não gosta acaba deixando para a última hora, procure criar estratégias que te ajudem a priorizar essa atividade. Você pode colocar essa tarefa junto com outras atividades mais agradáveis ou estabelecer um horário específico do dia para realizá-la, ao invés de deixar para fazer “quando sobrar tempo”.

Outra dica importante é tentar quebrar uma atividade muito grande ou cuja entrega só é necessária após um prazo muito longo em pequenas entregas. Crie metas e estabeleça uma rotina de trabalho que permita ir “construindo” o trabalho pouco a pouco. Assim você não precisa ficar 12h trabalhando na mesma coisa, mas divide o esforço ao longo de tempo e ao atingir os objetivos menores tem a sensação de progresso. Essa estratégia ajuda o cérebro a aproximar os ganhos da tarefa e funciona como uma recompensa que motiva a continuar o processo.

Qual a diferença de qualidade de vida entre a de um procrastinador e a de um não-procrastinador?

Normalmente os procrastinadores são pessoas que deixam para fazer tudo na última hora. Em geral, não lidam de maneira eficiente com os prazos e gerenciamento do tempo e acabam ficando sobrecarregados, pois deixam para concluir suas atividades ou tarefas na véspera ou logo antes do prazo acabar. É aquela pessoa que vai “empurrando as coisas com a barriga” até não ser mais possível postergar.

Ao se tornar um hábito, a procrastinação traz uma dose a mais de estresse para o dia a dia. Isso por si só já seria um fator que atrapalha nossa produtividade e saúde. Mas, além disso, a procrastinação pode acabar prejudicando a vida profissional, pois nos deixa mais suscetível a perder um prazo importante, ter que concluir uma tarefa correndo, virar uma noite para fechar algo que exige atenção e cometer erros (graves, inclusive).

Em relação à vida financeira, muitas vezes o procrastinador não consegue pagar suas contas em dia (acaba gastando mais com juros e multas), nunca inicia aquele plano de previdência ou poupança, tem dificuldades de planejar sua vida futura e vai deixando decisões importantes para depois. Nesse caso, o depois não tem um deadline específico e acaba nunca sendo concluído. Todos esses fatores em conjunto podem acabar prejudicando a qualidade de vida das pessoas.

Existem pessoas não-procrastinadoras?

Embora a procrastinação possa ser entendida como um traço ou característica de personalidade, todos nós em alguma situação da vida já procrastinamos. A diferença principal é que para alguns isso se torna um hábito, ou seja, vira a regra para tudo, enquanto que para outros, é uma situação mais pontual (uma exceção).

Quando aprendemos a gerenciar melhor nosso tempo e nossas atividades, colhemos os frutos positivos em termos de saúde, bem estar e produtividade. Esses benefícios por si só já atuam como recompensa e reforço positivo para o nosso cérebro, tornando a procrastinação uma opção cada vez mais distante em nosso repertório de tomada de decisão.

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