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Intenção e reação no controle da entrada de capitais

O real tem hoje volatilidade similar (em algumas medidas menor) à do euro.

Autor: Gilberto L. Cesar FilhoFonte: Valor Econômico

 

Ninguém sabe exatamente o valor justo de uma moeda, muito menos no curto prazo, horizonte em que a cotação é função dos fluxos de compra e venda, como qualquer outro ativo financeiro.

Parte relevante desse fluxo tem um caráter de investimento ou, como alguns gostam de dizer, de especulação. Se a oportunidade é boa, o fluxo de recursos se volta para ela - nesse caso, para o real. O que é uma boa oportunidade? Ao tomar decisões de alocação, o investidor compara alternativas para escolher aquela com uma boa relação risco/retorno. Para correr um pouco mais de risco, exige retorno maior. Para ficar "sem risco", aceita retorno menor.

Seja qual for a medida que se use, a relação risco/retorno do real é muito atraente relativamente à de outras moedas. Num horizonte de um ano, por exemplo, um investimento em títulos do Tesouro brasileiro em reais apresenta rentabilidade esperada de 12,50%. Um investimento similar paga 0,75% em dólares nos EUA e 1,75% em euros na Alemanha. O diferencial de juros é, portanto, maior do que 10% ao ano.

E o risco? Quem assume uma posição vendida em dólares (apostando na baixa) e comprada (acreditando na alta) em reais assume pelo menos dois riscos. O primeiro é o risco de solvência, que é "precificado" no mercado internacional por meio de um prêmio pago por ativos brasileiros sobre os juros do Tesouro americano. Esse prêmio é hoje menor do que 1,5%. Descontando isso, o diferencial de juros ajustado cai para 8,5%.

O segundo risco, mais relevante para nossa discussão, é o de desvalorização cambial. Se o real se desvalorizar mais do que o diferencial de juros, o investidor perde, ao ter menos dólares do que antes da aplicação. Vale lembrar que o importante é qual o risco relativo de um ativo. Ou seja, a comparação entre seu risco e o das alternativas. Para embasar nosso argumento, peguemos duas formas populares de medição de risco.

A primeira é a volatilidade, uma medida da oscilação diária da cotação em situações "normais". O real tem hoje volatilidade similar (em algumas medidas menor) à do euro. Com um diferencial de juros de 8,5% a seu favor e volatilidade similar, não é de se espantar que o fluxo venha de investidores europeus e americanos para ser aplicado no Brasil, em reais. Dado que o BC tem trabalhado para tirar a volatilidade do real, é natural que ela seja de fato baixa.

A segunda maneira de se mensurar risco é o estresse: quanto o real poderia se desvalorizar num momento de estresse? Não adianta nada o investidor ganhar o diferencial de juros ao longo de algum tempo e trombar com uma desvalorização da moeda, que poderia reverter todo o lucro acumulado em anos de "carry trade". É importante, portanto, mensurar a dimensão da desvalorização cambial que poderia ocorrer num evento de estresse.

Tendo acumulado US$ 300 bilhões de reservas, o BC poderia, num momento de fuga de capitais, compensar o fluxo de saída e vender de volta aos investidores os dólares que acumulou, evitando com isso desvalorizações muito fortes do real. E o BC não tem apenas a capacidade, mas a necessidade de fazer isso se for o caso. Sob o sistema de metas de inflação, se deixasse o real se desvalorizar muito repentinamente, correria o risco de ver a inflação subir em função do encarecimento das importações, o que iria obrigá-lo a elevar os juros.

Incomodado com o forte fluxo, o BC introduziu um IOF de 6%. Com isso, diminuiu artificialmente o diferencial de juros, principalmente para posições de curto prazo (o custo do IOF se dilui ao longo do tempo). Porém, além do retorno continuar alto em termos relativos, a percepção de risco caiu ainda mais, uma vez que o investidor entende que apenas um país que não precisa de financiamento externo pode se dar ao luxo de dificultar a entrada de recursos.

Por motivo similar, quem nunca deixou de entrar num restaurante vazio para esperar na fila do vizinho cheio? É razoável afirmar que, do ponto de vista da relação risco/retorno, o fluxo de entrada tem boas razões para continuar: retorno alto, volatilidade baixa, risco de evento baixo.

Sem falar que é possível que vejamos uma aceleração ainda maior do ritmo de entrada de dólares, a medida que os agentes passem a temer que a porta seja fechada. Se a festa está boa, quem puder vai querer chegar mais cedo do que o inicialmente planejado para não correr o risco de ficar de fora.

Gilberto L. Cesar Filho é sócio-diretor da Verus Gestão de Patrimônio

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

 

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