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IFRS: referência contábil ou econômica?
Mesmo após sete anos do início da padronização das normas internacionais de contabilidade
Mesmo após sete anos do início da padronização das normas internacionais de contabilidade, que teriam como objetivo elevar a qualidade das informações geradas pelas empresas, essas regras ainda vêm causando dúvidas em relação à sua real assertividade.
No caso brasileiro, por exemplo, um dos objetivos da Lei 11.638/2007, que atualizou a de número 6.404/76 na área da contabilidade, surgiu com o propósito de alavancar investimentos nas empresas brasileiras.
Entretanto, ao analisar seus efeitos práticos, nota-se um movimento inverso ao que se propunha realizar. Apenas neste ano, seis empresas já anunciaram a intenção de fechar capital e outras quatro, entre elas o Santander, estão conduzindo operações nesse sentido, conforme demonstra levantamento recente da provedora de informações financeiras Quantum.
Se todas essas operações forem concluídas, poderão provocar uma saída de R$ 19 bilhões em capital estrangeiro, dos quais até R$ 14,3 bilhões relativos à transferência de papéis do Santander para a bolsa espanhola. Ainda que seja natural esperar um desaquecimento no ritmo dos IPOs após o boom de 2007, quando mais de 60 empresas entraram na Bolsa, a realidade é que este objetivo de alavancar os investimentos no país não foi cumprido.
As normas contábeis internacionais (IFRS) - e não as leis - foram elaboradas para atender os grandes participantes do mercado, conglomerados financeiros, de varejo e indústrias, além das empresas de contabilidade/auditoria de grande porte e alguns organismos de classe, deixando assim claro que muita gente foi deixada para trás.
Embora a Internacional Accounting Standards Board (IASB) tenha criado a Norma Contábil para as pequenas e médias empresa, a Alemanha e muitos outros países mantiveram seus padrões contábeis baseados em leis para as grandes corporações.
Ademais, quando uma profissão se vê obrigada a criar uma norma para explicar as anteriores, como é o caso da que versa sobre o Valor Justo nas normas internacionais de contabilidade, fica evidente que os fatos não estão ocorrendo conforme o planejado. Sobretudo quando, logo na introdução desta norma, ao tratar de seu alcance, é feita a seguinte ressalva: “Este Pronunciamento é aplicável quando outro Pronunciamento requerer ou permitir mensurações do valor justo ou divulgações sobre mensurações do valor justo (e mensurações – tais como valor justo menos despesas para vender – baseadas no valor justo ou divulgações sobre essas mensurações), salvo conforme especificado nos itens 6 e 7. (IFRS 13 CPC 46)”
Existe certo descrédito da sociedade quanto à qualidade e necessidade das informações contábeis, posição que não julgo pertinente, visto o volume ínfimo de escândalos financeiros em relação à quantidade de entes com ações negociadas em bolsa de valores. Note-se ainda que as demonstrações contábeis continuam sendo a melhor fonte de referência para indicar se uma empresa está prosperando ou não.
O que não sabemos é se a contabilidade internacional, com os seus conceitos econômicos incorporados à contabilidade, seja realmente uma boa informação para quem deseja analisar a performance de uma empresa.
A economia pode ser considerada o conjunto das atividades de uma coletividade inerente à produção e ao consumo das riquezas, enquanto a contabilidade é a ciência das contas comerciais, com escrituração da receita e da despesa. Portanto, deve ser objetiva.
Porém, quando começamos a aplicar a norma do valor justo para inúmeros itens das demonstrações contábeis, que conforme a estrutura conceitual da contabilidade foi chamada de posição financeira, passamos a praticar mais economia que contabilidade, uma vez que o valor da produção começa a superar em relevância a efetiva realização dos ganhos e perdas.
O valor justo possui seu mérito como fonte de informação em nota explicativa, é verdade, mas provoca grande volatilidade nas demonstrações contábeis.
Basta lembrar as empresas de Eike Batista. No caso da OGX, por exemplo, após 55 fatos relevantes de descobertas de petróleo, a companhia anunciou, no dia 1º/07/2013, que seus três principais poços encerrariam a produção em 2014. Dentro da classificação de um ativo a valor justo, esta seria de Nível 1. Afinal, a hierarquia neste campo dá a mais alta prioridade a preços cotados (não ajustados) em mercados ativos para ativos ou passivos idênticos (informações de Nível 1). Se um ativo de Nível 1 possui esta volatilidade, onde uma ação é avaliada a valor justo em R$ 23,27 (outubro de 2010) e, exatos três anos depois, cai para R$ 0,17, imaginem um ativo de Nível 3, para o qual é mínima a prioridade conferida a dados não observáveis.
Exemplarmente, a Receita Federal resolveu seus problemas ao editar a Lei nº 12.973/2014. Em resumo, ela define que a aplicação das IFRS não terá efeito tributário. Ou seja, a Receita Federal e as grandes empresas não se entenderam, mas resolveram em parte suas divergências. Ocorre que a referida lei, em diversos artigos, atinge todas as empresas, sem diferenciar seus portes, o que torna até óbvio o impacto maior nos custos que tende a haver sobre as pequenas e médias.
Os contadores desses empreendimentos, em particular na aplicação das Normas Internacionais de Contabilidade, em conjunto com a Lei 12.973/14, estarão em uma situação no mínimo atípica, já que, por um lado, o empresário não quer aumentar custos com a contabilidade, mas, por outro, deixar de adotá-la plenamente pode implicar advertências a estes profissionais por parte dos Conselhos Regionais de Contabilidade. Sem falar na situação extrema de sugerir fraude, por parte desses profissionais, na elaboração das demonstrações contábeis num episódio de quebra em que as Normas Contábeis Internacionais de Contabilidade não tenham sido aplicadas plenamente de acordo com a lei 12.973/14.
No final das contas, as organizações de pequeno e médio portes saíram prejudicadas, enquanto a contabilidade vai, a cada dia, abrindo mão de seu conceito para atender a interesses mais econômicos que doutrinários.
Este artigo se aplica ao mundo atual, onde as transações ainda acontecem em moeda. Mas, se a vertiginosa velocidade das transformações tecnológicas em curso iniciar um processo de virtualização neste campo, via internet - tendência aparentemente irreversível, a meu ver - governos e Banco Centrais hão de tratar estas moedas virtuais de forma globalizada, o que deve ditar novos rumos tanto para a economia quanto a própria contabilidade .
(*) Marco Antonio Papini é sócio-diretor da Map Auditores Independentes e vice-presidente da CPAAI Latin America.